de repente.... já nos 20?!

Março 04 2011

 

 

Ela sempre fora bela e a boa relação com o espelho sempre foi evidente. Dona de 1.70 de curvas, de umas pernas torneadas que pareciam chegar ao pescoço, de uns cabelos cacheados negros e olhos imensamente verde e transparentes, era realmente daquelas mulheres que fazia parar o trânsito.

Ela sabia disso. Usava o seu poder como bem lhe apetecia, à hora que queria, para conseguir o que desejava. Bastava-lhe estalar os dedos e era ver cair a seus pés tudo o que desejava.

O corpo escultural era a sua arma de trabalho… O palco parecia adorá-la, era a sua casa, a sua vida! A cada pirueta, a cada grand-pliê o sorriso rasgava-se mais um pouco e ela ganhava anos de vida…  A cada salto, a cada arasbeque ela voava…voava e parecia chegar mais perto do céu, mais perto do sítio onde as estrelas, como ela, pertencem…

Quando dançava iluminava-se  de tal forma  que ofuscava tudo o que se encontrava à sua volta. Em pouco tempo ascendeu a prima-bailarina numa importante companhia de bailado, e viu concretizado o seu sonho de menina. Em palco e fora dele tinha tudo aquilo com que sempre havia sonhado e era feliz!

Uma lágrima precipitou-se rosto abaixo enquanto contemplava a fotografia! Sim…ela sempre fora bela!

Fora… já não é mais! Perto dos quarenta viu o seu sonho cair por terra quando lhe apontaram o dedo e disseram que já tinha idade demais para ser bailarina, aliás chamaram-lhe velha… aos poucos viu-se ser ultrapassada por bailarinas mais jovens, mais bonitas, mais magras…. Foi tomada pelo medo de deixar de dançar e perdeu o gosto e alma com que o fazia…Deixou-se definhar e aos poucos foi enlouquecendo… perdeu a sua “casa”, perdeu o rumo!

Entrou em depressão profunda e acabou mesmo por ter que abandonar o palco e foi talvez aí, que verdadeiramente ela morreu!

Passaram meses, anos  em que pura e simplesmente se isolou do mundo! Não saía, não falava... não vivia! Para ela dançar era a sua vida…se não dançava mais então não fazia sentido continuar a viver…

Os anos foram-se sucedendo e sua depressão foi-se arrastando cada vez para um nível mais profundo e ao chegar aos sessenta a demência já não permitia que vivesse sozinha e foi atirada para um lar.

Sim ela sempre fora bela… hoje não passava de um amontoado de ossos e peles encarquilhadas.

                Outra lágrima escorregou … era dura a realidade, pelo menos nos escassos momentos em que realmente se apercebia dela, nos poucos momentos em que existia alguma lucidez na sua mente.

Um dia teve tudo, hoje apenas memórias, quando o seu cérebro lhe permite revive-las. Se um dia foi uma grande estrela hoje não passa da promessa daquilo que poderia ter ainda conseguido  alcançar. Hoje não passa de uma velha atirada a um lar, a quem o Alzheimer e as depressões sucessivas roubaram tudo, incluindo a identidade. Hoje não passa de um nome chamado uma ou outra vez quando a tentam trazer de volta a realidade


desabafos, comentarios, disparos e caturreiras..enfim, pedaços de vida de uma miuda de 20 anos a quem nunca NADA, mas mesmo nada corre como o planeado...
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